4.11.13

O prostíbulo de D. Trogalho



A “Gangster Chicago Cars” associando-se ao evento e numa onda de revivalismo, disponibilizou um clássico Ford T para transportar “suas excelências”. E logo que a pequena limusina parou em frente à multidão de parolos que aguardava ansiosamente pela comitiva presidencial, junto ao novo Museu da Trapaça, lá desceram o Madaleno, incrível e despudoradamente secundado pelo Trombalazanas de Alcains, pelo otário que financiou a obra e pelo aspirante a marceneiro contratado à sorrelfa na capital do móvel. Uma cena digna da Chicago dos anos trinta do século passado, só faltando o aparato dos guarda-costas simiêscos, de polaina sobre sapato preto e branco, terno clássico escuro de risca larga, gravata branca, camisa negra, chapéu à Humphrey Bogart, cigarette ou charuto e com as suas Thompsons 1928 Chicago em riste, prontas a disparar.

 

Mas a inauguração do espaço, nesse dia, era exclusivo da nomenclatura dominante, há mais de trinta anos no poder, protelando por isso e para data oportuna, a sua abertura à ralé da ribeira, aos díscolos das bolas-de-golfe e dos calhaus dos pontões, vândalos e outros patifes.

 

Entre as muitas proeminentes figuras da fina flôr do entulho da Palermo portuguesa, ligadas ao grémio da fruta & do putêdo encontravam-se Pinto Carcereiro, o magano dos apitadeiros, e, já devidamente paramentado, um bispelho fanático, D. Trogalho, clérigo que há muito trocou o breviário pela cartilha azul corrupta, pronto para mais uma sacrílega benzedura, após substituir à socapa a água benta por lixívia em promoção, numa nova tentativa pública de absolver e branquear à luz da igreja e não só, uma gigantesca fraude de décadas e respectivos autores.

 

Um compasso de espera e a primeira surpresa da tarde. Na antecâmara do espaço museológico, a réplica da fachada de uma pequena ourivesaria gondomarense cuja porta com o número de polícia 69 tinha encimado no seu vão um enorme apito dourado e com uma montra onde estava exposta uma colecção fascinante de jóias fazendo as delícias da soçaite corrupta das tripas – nada mais nada menos que os maiores e mais soberbos broches de Carolina, em tempos a primeira-dama da Irmandade da Fruta.

 

Os convidados, com Madaleno no centro das atenções fazendo as “honras da casa”, aclamado como “Querido Líder” e ali logo investido como mestre-cicerone das bufas e das ironias pontifícias, iam avançando para as portas de acesso ao salão principal, não sem que antes passassem pelo apertado crivo de uma célebre dupla de capangas, porteiros de circunstância - Abel & Afonso - não aparecesse ali um magrebino infiel para sabotar todo aquele espólio de trafulhices.

 

A inauguração aconteceu no momento seguinte com o corte de uma tarja aludindo ao ano de fundação do grémio – mil oitocentos e…troca o passo – com palavras de circunstância e galhofada geral. Nesse mesmo espaço, a referência aos anos 70 do século passado, primórdios da actual história fraudulenta, retratada pelo Barracão da Sueca, uma espécie de mercearia, onde o seu dono, o Ilídio das Feijocas, e mais três comparsas, Perdigoto “O Cartola”, Pinto dos Chitos e Madaleno, enquanto faziam uns macetes e batiam uns ases e umas biscas, intervalados por uns peidos e uns arrotos, conspiravam, dando assim início às mais tenebrosas e corruptas acções que transformaram o futebol e o desporto tugas num inimaginável lamaçal.

 

Em frente ao barracão, duas vitrinas. Uma, repleta de notas antigas de quinhentos escudos, aludindo aos quinhentos contos, os afamados “Quinhentinhos” do Vígaro, e a outra com o relato integral de uma fabulosa história com o título “Calheiradas à brasileira” - uma viagem de férias “familiar” estimada em oitocentos contos na moeda antiga e que muito tempo após a sua realização e por “lapso de memória”, não foi paga pelo cliente mas custeada por terceiros, para depois da descoberta da marosca, numa encenação farsola de defesa da honra tentando limpar essa corruptela, ser paga pelo próprio e creditada aos terceiros, mas que explica ao pormenor uma das forma mais eficazes de um grémio poder subornar qualquer apitadeiro. Enfim, um escândalo de dimensão cósmica. Também aqui se encontra o mural dedicado a Pinto Carcereiro, a alma parda do dito grémio, figura tenebrosa e maquiavélica, com a descrição e explicação de duas das suas mais célebres frases – “Ó Chico, ó Chico, o que tu foste fazer!..” e “Ó filha, mas ele ainda ficou a falar!...” – retiradas de dois diferentes episódios; o primeiro, tendo como protagonista um tanso algarvio de apito na boca que caiu na esparrela corrupta de uma tramóia bem montada e em que nunca foi identificado o corruptor, e a outra, um caso muito violento e bexigoso em que os agressores também nunca foram identificados. Coisas e casos da Palermo portuguesa, no reino da Trypalândia

 

Logo a seguir, um grande placard mostrando uma foto de Madaleno falando ao telemóvel com a legenda – “A fruta? Mas qual? Ah!...Já foi mandada…” – antecedendo e publicitando um espaço amplo de vidraça translúcida (não vá o diabo tecê-las…) com cabines telefónicas decoradas com diversos chaises longues em veludo azul corrupto e apetrechadas com headphones de alta-fidelidade “adquiridos” na Feira da Vandoma, onde os visitantes podem por momentos relaxar, aproveitando para ouvir as célebres escutas que deram ao grémio em causa o prestígio e a credibilidade que fazem dele, a par da Juventus de Turim, o campeão da batota e o maior comprador de vitórias e títulos em supermercados.

 

Depois surge o auditório galego, um pequeno anfiteatro onde é projectado em sessões contínuas, o filme, “Giorgio, cava para Santiago, antes que a Judite te leve a gancho!”, que relata as diversas peripécias de um bandido comprometido com ilícitos criminais de toda a ordem e que se põe em fuga do país com a sua amante, com destino a um lugar santo, com a cumplicidade de agentes policiais e de Pinto Carcereiro, cozinhando nesse exílio forçado e estratégico e na presença do seu séquito, a impunidade do seu regresso, feito posteriormente e com grande ostentação, ao ser parcimoniosamente escoltado pela guarda pretoriana dos criminosos da Ribeira quando se apresentou às autoridades judiciais.

 

A tecnologia de ponta também está presente e em quatro hologramas fantásticos. Para os mais ousado(a)s ou para quem se sinta um verdadeiro(a) amante da fruta, dos chocolatinhos ou do café com leite, aí poderão interagir virtualmente num quarto de hotel com as paixões de Jacinto, Hannah, Celina e Cláudia, numa erótica ménage à quatre e à brasileira…experimentando as sensações fortes de um cenário carregado de corrupção e sexo.

Um espaço de grande sensualidade e um momento imperdível.

 

A visita já ia longa, mas faltavam algumas áreas imprescindíveis para uma melhor compreensão da história recente do grémio e do seu mentor. E assim, o inefável anfitrião convidou todos os presentes para um curto passeio pela Alameda dos Azeiteiros, começando pela casa de alterne, “A Fornalha de Carol”, passando pela Imobiliária da Tardefeita e acabando na Tasca do Telles. Aos presentes causou uma certa estupefacção que os dois primeiros estabelecimentos estivessem bem juntos, porta com porta. A explicação foi simples – as “meninas” clandestinas do empernanço, farfalhanço e do palito malandro que esvazia o gás das suas taças cheias de moscato a martelo, por vezes cansadas do hálito a alho e cebola dos seus clientes e de tanta “trabalheira” durante a noite e a madrugada, poderiam, sempre que fosse conveniente, passar num ápice a profissionais, legalizadas como escriturárias, angariadoras ou gerentes da imobiliária durante o dia, evitando problemas com o SEF ou com o Tribunal do Trabalho. Uma ideia bastante aplaudida pelos marialvas e rufiões presentes, que em surdina ainda mandaram alguns piropos para dentro das arcas frigoríficas expostas à porta da Tasca do Telles - relíquias devidamente restauradas pelos responsáveis de conservação de peças antigas.

 

Mais uma paragem, agora no restaurante do museu, o “La Belle Terrasse de Matosinhos””, para uma garrida mariscada em tudo igual à servida aos internacionais do apito que visitam o antro da pocilga, para dirigirem jogos da UEFA.

 

De pança cheia de canapés, lagostins e santolas bem regados com os alvarinhos da ordem, as quatro etapas finais não foram fáceis de percorrer. Com uma passagem fugaz pelo Pátio das Bofetadas, onde algumas concubinas do Madaleno levaram umas murraças e uns bons pares de galhetas e que por isso não terá sido do agrado do elenco feminino azul e bronco presente, passaram para a ala do Vaticano.

 

Com o título, “O nó cego ao Papa e à Cúria Romana”, assim começa a reconstituição ao vivo da peregrinação ao Vaticano e das oferendas ao sumo pontífice, onde a concubina do Madaleno, que tinha conseguido passar por sobrinha e afilhada do dito cujo, integrando essa afamada comitiva composta por políticos corruptos, juízes promíscuos, advogados duvidosos, mafiosos, azeiteiros e quejandos, é substituída sem misericórdia por um padre fanático e uma cabra. Na foto adulterada que encima a cena ao vivo, o padre é o único que está visível, pois a cabra depois de uns valentes sobressaltos, acabou por fugir para sul, refugiando-se no Alentejo. É sem dúvida um momento de exaltação clubística indiciador de que a organização nunca falha!

 

A finalizar toda esta zona de livre acesso, uma referência especial para o espaço “S”, letra inicial de stickada. Em contínuas repetições, o público visitante pode observar a extraordinária stickada com que um mouro vermelho em pleno Caixote da Pocilga, numa tarde fatídica e já em período extra, esfacelou a cornadura e os tímbalos do Madaleno, e as trombas de centenas de morcões, provocando-lhes uma “morte súbita”, deixando-os com um melão cujo tamanho ia da ponte do Freixo à ponte da Arrábida.

 

Antes da porta de saída do museu, vislumbravam-se umas escadas envoltas em fumo e escuridão, e um dístico com a palavra reservado. Tratava-se do acesso à Caverna do Terror, onde figuras de cera evocam o submundo da Palermo portuguesa, umbilicalmente ligado ao grémio da fruta & do putêdo. Eles estão lá todos. Os mortos e os vivos, os que eram visita de casa do Madaleno, os presos e condenados, os amantes das concubinas, os capangas agressores de dissidentes, jornalistas e dirigentes.

 

Uma tarde inesquecível num espaço que D. Trogalho abençoou. Poderia ser o novo lupanar do Madaleno, mas é muito mais do que isso. É o Prostíbulo de D. Trogalho.


 


 


GRÃO VASCO
 

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