7.12.15

W52, a bicicleta movida a peido



No sótão da velha mansão do seu tio-avô, Barrote de Carvalho, sentado no chão, de pernas cruzadas e sobre uma esteira carcomida pelo bolor da humidade, mirava fascinado uma velha pasteleira, enquanto extraía mais um macaco das suas ventas.

As enormes teias de aranha acumuladas ao longo de três décadas, escondiam o verde-alagartado dos seus guarda-lamas e a ferrugem nos aros e raios das suas rodas com os pneus em baixo. Mas mesmo assim continuava imponente.

 

Nesse sótão de memórias lá regressavam as lutas titânicas dos anos trinta do século passado, ao longo de sinuosas estradas, algumas ainda no poeirento ou lamacento macadam, outras nas já alcatroadas ou em paralelo, obras do Estado Novo, lembrando a suprema rivalidade entre Nicolau e Trindade.

Por momentos, um raio de luz penetrou por uma pequena fresta de uma telha levantada pela recente intempérie. A pasteleira brilhou àquele sol como uma bicicleta de campeão num pico de montanha. Barrote contemplava a cena extasiado. Mas não estava sózinho. Acompanhava-o Olímpio Vicente, um ferrenho adepto do lagartêdo que há muito tinha mandado o seu olimpismo às malvas, para segurar Barrote e o seu tutor, o Jaiminho, conhecido em Poiares pelo Atiça-fogos. Também ele estava babado a olhar para a fascinante máquina.

 

Barrote, um gorducho entusiasmado pelos feitos leoninos de outrora em cima daquele vetusto veículo de duas rodas a pedal, expirou profundamente e disse baixinho para o seu comparsa:

- Olímpio, vamos formar uma equipa fantástica de ciclistas para darmos cabo de uma vez por todas daqueles intragáveis lampiões e dos seus 400 milhões da treta. Agora é que eu lhes vou demonstrar quem é que tem realmente pedalada! Vou percorrer o país todo, na Volta a Portugal e de terra em terra, de lugar em lugar, de cidade em cidade, de aldeia em aldeia, vou fazer um peditório tal que não vou precisar de milhões, nem da Nós nem de Vós!

 

Olímpio, debruçado sobre a sua Olivetti portátil, uma “hcezarops” dos tempos da Guerra Colonial, metia a todo o gás a folha A4 no rolo da máquina de escrever, pronto para redigir o contrato com que Barrote sonhava. Este, por sua vez, rejubilava, abanando frenéticamente uma imaginária bandeira de xadrez armado em director de corrida e Olímpio,  no imediato e num assomo de juventude, com o seu boné enfiado ao contrário e de pála virada para cima, já “sprintava” empoleirado na pasteleira, sacudindo as teias de aranha que se agarravam às baínhas das suas calças de bombazina côr de mel.

Ambos sonhavam já com as metas no alto da Torre, nas Penhas Douradas e no monte da Sra. da Graça.

 

Mas eis que de um momento para o outro tudo mudou.

Não, não podia ser!

 

A campaínha do portão principal tinha tocado três vezes. Barrote e Olímpio desceram as íngremes escadas do sótão, atabalhoadamente, ávidos de firmar o acordo com os segundos outorgantes. Quando abriram o pesado portão de entrada e encararam aterrados, com o rei das bicicletas de Palermo sorrindo, recuaram assustados. Não era por ele que esperavam…

 

- Costa, que queres a esta hora? – perguntou atarantado Barrote de Carvalho.

O rei de Palermo, naquela sua parola e "fina" ironia de sempre, gargalhando cavernosamente, não hesitou:

- Meus caros, é só para vos comunicar que as minhas bicicletas da marca W52 vão ser movidas a peido, ok?

 

Após esta jogada de trunfos na manga, o mafioso sorriu e abandonando o pelotão, abalou veloz numa fuga solitária de quilómetros, deixando Barrote e Olímpio envolvidos numa discussão estéril sobre doping e à espera do carro vassoura!

 

Mas estes, só se aperceberam que estavam desclassificados quando pela televisão, viram Costa no pódio envergando a camisola amarela e a receber dois beijinhos de duas alternadeiras do Calor da Noite!

 


GRÃO VASCO


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