13.2.16

Gaitán, o ‘amigo’ do devoto de S. Cono



No café onde visionava o clássico e quatro minutos antes da desilusão, despedi-me dos meus amigos Benfiquistas com um até amanhã premonitório. Cá fora a chuva não parava.

Ao dirigir-me para casa e perante um pequeno clamor provindo de um ou outro lar dos prédios em redor, abafado pelo sortilégio do futebol, choveram novas bátegas de desilusão. A escumalha corrupta tinha acabado de dar a volta ao jogo. Definitiva. Nada que o meu pressentimento de me retirar da tertúlia de indefectíveis não tivesse sido logo naquele momento confirmado.

 

Na Luz, choviam e sobravam bolas de papel vermelho da coreografia inicial de estímulo ao Glorioso. Gaitán, no início da segunda parte do jogo, depois de ter falhado mais um incrível golo e já com as pernas bambas e gastas e com os bofes de fora, aproveita um pequeno intervalo da peleja e tal como um funcionário camarário da recolha de lixo, resolve apanhar umas quantas folhas desse papel vermelho amarrotado, abanando a cabeça, enxofrado, como que dizendo que não a essa atitude alheia vinda das bancadas que o tem idolatrado, lançando-as para fora das quatro linhas. As bolas de papel tinham sempre o mesmo destino e expressavam o desagrado dos adeptos pela recente atitude peseteira do devoto de S. Cono, santo sul-americano que abençoou o uruguaio e a sua conta bancária. Gaitán, qual prima donna desflorada por tamanha violação da arte de bem receber, muito incomodado por esse acto legítimo de desagrado de quem o tem apoiado nos bons e maus momentos, quis com o seu abanão de cabeça em forma de negação, dizer que não concordava com o envio dessas cartolinas amarrotadas, expressando e renovando assim, mais uma vez, os votos de amizade eterna ao promotor de mate nos balneários lusos.

 

E eu perguntei:

- Mas o argentino está lá para jogar ou para ser amigo, dentro do campo, do uruguaio, devoto de S. Cono?

 

Nesse momento, Rui Vitória deveria ter sido substituído por mim. Só nesse momento. Gaitán teria sido imediatamente despachado para o balneário, para, já penteadinho e arranjadinho, vestidinho e recomposto por um banho quentinho, poder abraçar e congratular o seu amigo no final do desafio. Em dez jogos seguidos, o Benfica e o seu treinador não precisaram de Gaitán para ganhar com clareza e categoria.

Gaitán andou a tocar, durante o tempo todo de jogo, um pífaro mal amanhado, parecendo mais um daqueles músicos de poncho e toucado que vai andando de feira em feira com uma aparelhagem portátil às costas, ganhando uns tostões a soprar panpipes reproduzindo o El Condor Pasa, vendendo CD’s e artefactos andinos e deixando o seu querido amigo uruguaio afinfar no bombo à tripa forra. Só lhe faltou colocar uma trança postiça à índio de alguma tribo da América do Sul.

 

Confesso-vos que fiquei incomodado com Gaitán. Após aquela paneleirice na primeira parte, no lado direito do ataque do Benfica, em que, em vez de, eficaz, correr para a baliza, sòzinho, resolveu, recuando, fazer um número de ballet ao recrear-se com a bola fazendo-lhe não sei bem o quê, talvez "penteando-a" desnecessàriamente com os dois pés numa sequência rápida para "olheiros de tubarões da Europa verem", passando-a depois para trás, para um seu colega na defesa, e ao observar esse espectáculo da sua recolha das bolas de papel, concluí que já não haveria mais nada a dizer e a fazer.

 

Deixei o café, os meus indefectíveis amigos Benfiquistas e repeti esta frase até à exaustão antes de chegar a casa:

- Vendam-no antes que seja tarde!

 

Da noite triste e chuvosa resta ainda a conclusão simples de que nem sempre ganha o melhor e quem faz mais por ganhar. A sorte faz parte do futebol, e às vezes é ela que comanda o destino do marcador.

 


GRÃO VASCO

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