No café onde visionava o
clássico e quatro minutos antes da desilusão, despedi-me dos meus amigos
Benfiquistas com um até amanhã premonitório. Cá fora a chuva não parava.
Ao dirigir-me para casa
e perante um pequeno clamor provindo de um ou outro lar dos prédios em redor,
abafado pelo sortilégio do futebol, choveram novas bátegas de desilusão. A
escumalha corrupta tinha acabado de dar a volta ao jogo. Definitiva. Nada que o
meu pressentimento de me retirar da tertúlia de indefectíveis não tivesse sido
logo naquele momento confirmado.
Na Luz, choviam e
sobravam bolas de papel vermelho da coreografia inicial de estímulo ao
Glorioso. Gaitán, no início da segunda parte do jogo, depois de ter falhado
mais um incrível golo e já com as pernas bambas e gastas e com os bofes de fora,
aproveita um pequeno intervalo da peleja e tal como um funcionário camarário da
recolha de lixo, resolve apanhar umas quantas folhas desse papel vermelho
amarrotado, abanando a cabeça, enxofrado, como que dizendo que não a essa
atitude alheia vinda das bancadas que o tem idolatrado, lançando-as para fora
das quatro linhas. As bolas de papel tinham sempre o mesmo destino e
expressavam o desagrado dos adeptos pela recente atitude peseteira do devoto de S. Cono, santo sul-americano que abençoou o uruguaio e a
sua conta bancária. Gaitán, qual prima
donna desflorada por tamanha violação da arte de bem receber, muito incomodado por esse acto legítimo de desagrado de quem o tem apoiado
nos bons e maus momentos, quis com o seu abanão de cabeça em forma de negação,
dizer que não concordava com o envio dessas cartolinas amarrotadas, expressando e renovando assim, mais uma vez, os votos de amizade eterna ao promotor de mate nos balneários lusos.
E eu perguntei:
- Mas o argentino está lá para jogar ou para ser amigo,
dentro do campo, do uruguaio, devoto de S. Cono?
Nesse momento, Rui
Vitória deveria ter sido substituído por mim. Só nesse momento. Gaitán teria
sido imediatamente despachado para o balneário, para, já penteadinho e arranjadinho,
vestidinho e recomposto por um banho quentinho, poder abraçar e congratular o
seu amigo no final do desafio. Em dez jogos seguidos, o Benfica e o seu
treinador não precisaram de Gaitán para ganhar com clareza e categoria.
Gaitán andou a tocar, durante o tempo todo de jogo, um pífaro mal amanhado, parecendo mais um daqueles músicos de poncho e toucado que vai andando de feira em feira com uma aparelhagem portátil às costas, ganhando uns tostões a soprar panpipes reproduzindo o El Condor Pasa, vendendo CD’s e artefactos andinos e deixando o seu querido amigo uruguaio afinfar no bombo à tripa forra. Só lhe faltou colocar uma trança postiça à índio de alguma tribo da América do Sul.
Confesso-vos que fiquei
incomodado com Gaitán. Após aquela paneleirice
na primeira parte, no lado direito do ataque do Benfica, em que, em vez de, eficaz, correr para a baliza, sòzinho, resolveu, recuando, fazer um número de ballet ao recrear-se com a bola fazendo-lhe não sei bem o quê, talvez "penteando-a" desnecessàriamente com os dois pés numa sequência rápida para "olheiros de tubarões da Europa verem", passando-a depois para trás, para um seu colega na defesa, e ao observar esse espectáculo da sua recolha
das bolas de papel, concluí que já não haveria mais nada a dizer e a fazer.
Deixei o café, os meus
indefectíveis amigos Benfiquistas e repeti esta frase até à exaustão antes de
chegar a casa:
- Vendam-no antes que seja tarde!
Da noite triste e chuvosa
resta ainda a conclusão simples de que nem sempre ganha o melhor e quem faz
mais por ganhar. A sorte faz parte do futebol, e às vezes é ela que comanda o
destino do marcador.
GRÃO VASCO