10.5.18

“Fé” no ódio e na hipocrisia e "profanação" de Santuário




No início desta semana, algures na EN 1, entre a Palermo portuguesa e Ourém, uma densa nuvem de pó pairava no ar, avançando para sul e ameaçando tornar-se num pequeno tornado. Pouco se vislumbrava, entretanto. Seriam obras de manutenção na via? Teria ocorrido algum acidente mais grave? Desflorestação? Aves migratórias? Praga de gafanhotos?

A notícia corria célere. Os peregrinos, oriundos de vários locais a norte e em trânsito para o maior centro de religiosidade católica do país, onde irão decorrer as celebrações do 13 de Maio, comentavam em surdina os rumores de que um bando de marginais, delinquentes, criminosos, desdentados, sifilíticos, sidosos, blenorrágicos, herpéticos, heroinómanos, cocainómanos, violadores, díscolos e proxenetas tinha recentemente abalado da Ribeira da Palermo portuguesa com destino a Fátima, em suposta “peregrinação”. Aquilo que em princípio mais parecia um boato ridículo ganhava cada vez mais maior credibilidade e consistência e a nuvem poeirenta era nem mais nem menos que o resultado de um movimento rotativo dos cachecóis azulados dos bandoleiros, estampados com um horroroso dragão comido pela traça mafiosa do Freixo que todos agitavam freneticamente numa descarga de ódio e pó sem precedentes, depois de terem ido buscá-los aos baús dos seus sótãos e após um desuso e um jejum de quatro anos.
Pouco depois, alguns devotos em passo acelerado confirmavam o boato – fugiam de uma turba ululante, pestilenta, camuflada em coletes reflectores amarelo-fluorescentes e bonés azuis e brancos feitos de tecido das barracas de praia cujos cânticos profanos indiciavam as suas intenções. Qual religião qual quê! Gritavam “slb, filhos-da-puta slb”, “nós só queremos ver lisboa a arder”, “ai quem me dera que o avião da chapecoense fosse do benfica”, assemelhando-se a perigosos dementes em fuga do hospital Conde de Ferreira. A fé no ódio e na hipocrisia medrava a cada passo, a cada metro que percorriam. A demência era tal, que iam agradecer à Santa pela roubalheira de o seu grémio corrupto ter vencido um campeonato de futebol repleto de trapaças, invasões, chantagens e ameaças, pelos sucessos dos assaltos às estações de serviço das auto-estradas, às lojas em Andorra, ao vandalismo em Málaga, às ameaças aos árbitros no centro de treinos da Maia e seus familiares em diversos locais do norte do país, pelo enriquecimento ilícito através da candonga dos bilhetes de futebol, pela impunidade perante juízes cúmplices, pelas violações consumadas, pelos êxitos no tráfico de droga e pelas sovas em qualquer lampião que se tivesse atravessado nos seus caminhos. Transportavam aos seus ombros mochilas de vigarice, de canalhice. A escumalha, despida de valores e princípios, deslocava-se como uma verdadeira besta demoníaca disfarçada com vestes angelicais.

A Santa corou. Os pastorinhos deram mil voltas nos seus mausoléus, o bispo da diocese prostrou-se de joelhos estarrecido com tamanho sacrilégio, o reitor do santuário apelou às autoridades suplicando segurança não fossem eles roubar a imagem da Virgem e a caixa das esmolas na Capelinha das Aparições para depois se pendurarem, saciados, nos galhos da oliveira centenária adjacente. Por fim, os peregrinos pararam por momentos as suas orações e implorando protecção divina, fecharam as suas bolsas antes que fosse tarde.

Os símios da Ribeira da Palermo portuguesa avançavam para o santuário…
A sua “fé”, mais uma vez, era ódio e hipocrisia.

GRÃO VASCO



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