Manel Vintém e o sonho do Liverpool
- Yes, yes, let’s go, let’s
go ... you are in the Stadium of Light! It’s
your great opportunity! – exclamava entusiasmado
Manel Vintém para os seus briosos jogadores, sedento de fazer história.
De sua graça Manuel
Cretino Vintém, nascido há 60 anos em Vimaranis, terra fundada pelo senhor da
guerra Vimara Peres, no Condado Portucalense, tentava a sua sorte em mais uma
noite de pontapé na bola. Substituindo o seu fluente dialecto minhoto gerado pela
sua prosápia verborreica, conhecido pelo “machadês” - uma versão vernácula do
português arcaico - pelo inglês actual,
não se cansava de incitar os seus pupilos de forma a cometer uma proeza inédita
que consistia em vencer o Glorioso colosso das camisolas berrantes no seu
próprio terreno. Era algo que até à data e ao longo do seu percurso de manager futeboleiro nunca tinha
conseguido.
Para lá desta obsessão,
Manel Vintém acalentava ainda outro dos seus sonhos de criança desde que
começou a afinfar uns chutos na trapeira, integrado na equipa lá do bairro.
Queria, um dia, treinar o Liverpool!
Manel considerava-se um
predestinado, talhado para altos e grandes vôos, quanto mais não fossem aqueles
que ainda hoje duram uma hora e meia e ligam o continente português com a ilha
da Madeira.
Com um percurso repleto
de êxitos desportivos, rumou à dita ilha, onde e após ter percorrido o íngreme
acesso ao alto da Choupana, veio a confirmar as suas excelentes credenciais de
um técnico muito erudito, ao nível dos melhores do Velho Continente, vencendo
concludentemente por vinte vezes o Torneio do Bolo do Caco, trinta vezes a Taça
da Ponta do Sol e por dez vezes os triangulares de Porto Moniz e da Camacha.
Desta vez a eliminatória
jogava-se na Luz, um palco imortal, uma montra europeia privilegiada. Vintém não
podia enjeitar esta oportunidade de ouro. Deixou ficar no balneário as suas
charadas verbais e com um toque fleumático lançou-se abertamente à conquista de
uma vitória épica.
Manel Vintém sonhava,
sonhava…
O êxito estava ali tão
perto, à distância de uns poucos de metros num relvado bem tratado, onde a bola
corria sem parar!
Inebriado pelos
extraordinários cânticos provenientes das bancadas, pareceu-lhe ouvir o “You’ll
Never Walk Alone”, esse inédito ícone musical de Anfield Road.
A peleja corria célere
para o seu final, o entusiasmo e o apoio intenso não cessavam.
Nisto, quando já nada o
fazia prever, um bruaá imenso perpassou pelo estádio inteiro.
Gottardi, o keeper da equipa de Manel Vintém, ia
buscar, sem apelo nem agravo, o esférico ao fundo das suas redes. Para Vintém
tinha desabado mais uma vez o mundo, saindo da Luz com uma azeda derrota pela
margem mínima, com o golo a ser marcado no derradeiro minuto dos noventa.
Ressaibiado, não
resistiu, e citando de longe na direcção do seu adversário homólogo, exclamou:
- Até parece que ganharam ao Liverpool!
Curiosamente, nesse
momento a aparelhagem sonora do estádio emitia os primeiros acordes do hino de
Anfield Road, e os adeptos Benfiquistas gritaram:
- “Glorioso, nunca caminharás sozinho!”
E Manel Vintém encafuado
naquele ar sorumbático e idiota que o caracteriza, lá ia arengando as patacoadas de
sempre, sonhando ir a caminho dos balneários do Liverpool:
- Ainda um dia hei-de treiná-lo, ainda um dia hei-de
treiná-lo…
GRÃO VASCO