1.3.19

Sebastiana Chulé




Não foi esta sapatilha verde – o espelho fiel do desesperado e depauperado grémio do lagartêdo - a arreganhar a dentuça, mas se tivesse sido, seria em tudo igual à chanca que Sebastiana Chulé, uma patarreca leonina, ergueu ameaçadoramente nas bancadas do seu estádio para um pacífico lampião.

Este episódio hilariante, mas muito pouco comum, ocorreu no decurso do último derby jogado naquele recinto, em que a mulher, conhecida no seu bairro por “A Chulé”, colocou em prática a sua estratégia para afugentar os seus inimigos figadais de longa data, os afamados “gloriosos lampiões”.

A sua vida está repleta de cenas burlescas, muitas delas de cariz passional de varandas para varandas. Quando as zaragatas acontecem nos arraiais lá do bairro é ela que põe ordem na casa – saca da sua chanca e põe tudo a “dar às de vila Diogo”, tal é o intragável e intenso fedor a chulé. Um autêntico gás lacrimogéneo!
Quando “A Chulé” nasceu, já aquele que viria a ser o seu grande amor, o “seu çeportèn”, vivia horas de agonia. O jejum de títulos, os fracassos, as humilhações contínuas, as comédias e as barracadas protagonizadas pelos viscondes falidos do condado de Alvalade, despertaram nela desde muito jovem, um sentimento de ódio e inveja visando injustamente o seu rival glorioso. Como tem sido habitual, já há muitos anos, para ela e para a maioria dos seus companheiros de clube, a culpa é sempre do Benfica.
Seus pais e avós, pressentindo a abstinência de títulos do seu clube, baptizaram-na, dando-lhe o nome de Sebastiana, numa alusão a D. Sebastião que diz a lenda, depois de se ter perdido completamente nas areias escaldantes de Alcácer-Quibir, deveria reaparecer um dia, numa manhã de nevoeiro.
Até hoje, nada!
Nos dias em que a neblina cai sobre o seu bairro, Sebastiana renova as suas esperanças, mas logo que ela se dissipa aos primeiros raios de sol, a cruel realidade provoca-lhe uma desilusão inconsolável e as alucinações surgem em catadupa nas “varandas” da vergonha como um rasto de miséria – imagens de cabeças-de-algodão, de jamesons, de gordinhos, de palitos carecas e barbudos, de cardinais, de bdc’s, de cuspes electrónicos, de invasões, de cashballs, de tumultos, de calotes sem fim são para ela um grande tormento. Sebastiana desespera. Vive constantes depressões e uma angústia enorme.

Desta vez, a ida ao seu estádio para ver o "derby” aumentou o seu indescritível instinto persecutório em relação ao seu ódio de estimação – sempre que avistava uma águia tinha recorrentes fanicos, o vermelho punha-lhe os olhos fora das órbitas, os seus tímpanos rebentavam só de ouvir a sigla SLB. E assim que “A Chulé” já com o desafio a decorrer, vislumbrou um pacato lampião, discretamente de vermelho vestido sentado nuns degraus acima na sua arquibancada, não foi de modas - sacou dos pés uma das suas chancas e vociferando ameaças, exibiu mais uma vez os seus complexos e frustrações, deixando no ar um rasto fedorento. O adepto rival guardou calmamente na sacola o seu manto sagrado. Mas, para mal dos pecados de Sebastiana, nem com a eficácia do seu chulé livrou o seu grémio de mais uma derrota. Desta vez por 4-2. Os “stewards”, à beira de uma intoxicação, mandaram-na para os balneários mais próximos lavar os pés com uma solução de vinagre e água e o rapaz vitorioso num assomo de comiseração ofereceu-lhe para a azia severa quatro pacotes de bicarbonato de sódio. Um por cada golo.
Nessa noite, Sebastiana Chulé, ao contrário da lenda sebastiânica, desapareceu no meio de um denso nevoeiro vermelho.  

GRÃO VASCO



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