Não
foi esta sapatilha verde – o espelho fiel do desesperado e depauperado grémio
do lagartêdo - a arreganhar a
dentuça, mas se tivesse sido, seria em tudo igual à chanca que Sebastiana Chulé, uma patarreca leonina,
ergueu ameaçadoramente nas bancadas do seu estádio para um pacífico lampião.
Este
episódio hilariante, mas muito pouco comum, ocorreu no decurso do último derby jogado naquele recinto, em que a
mulher, conhecida no seu bairro por “A
Chulé”, colocou em prática a sua estratégia para afugentar os seus inimigos
figadais de longa data, os afamados “gloriosos lampiões”.
A
sua vida está repleta de cenas burlescas, muitas delas de cariz passional de
varandas para varandas. Quando as zaragatas acontecem nos arraiais lá do bairro
é ela que põe ordem na casa – saca da sua chanca e põe tudo a “dar às de vila Diogo”, tal é o
intragável e intenso fedor a chulé. Um autêntico gás lacrimogéneo!
Quando
“A Chulé” nasceu, já aquele que viria
a ser o seu grande amor, o “seu çeportèn”,
vivia horas de agonia. O jejum de títulos, os fracassos, as humilhações
contínuas, as comédias e as barracadas protagonizadas pelos viscondes falidos
do condado de Alvalade, despertaram
nela desde muito jovem, um sentimento de ódio e inveja visando injustamente o
seu rival glorioso. Como tem sido habitual, já há muitos anos, para ela e para
a maioria dos seus companheiros de clube, a culpa é sempre do Benfica.
Seus
pais e avós, pressentindo a abstinência de títulos do seu clube, baptizaram-na,
dando-lhe o nome de Sebastiana, numa
alusão a D. Sebastião que diz a lenda,
depois de se ter perdido completamente nas areias escaldantes de Alcácer-Quibir,
deveria reaparecer um dia, numa manhã de nevoeiro.
Até
hoje, nada!
Nos
dias em que a neblina cai sobre o seu bairro, Sebastiana renova as suas esperanças, mas logo que ela se dissipa
aos primeiros raios de sol, a cruel realidade provoca-lhe uma desilusão inconsolável
e as alucinações surgem em catadupa nas “varandas” da vergonha como um rasto de
miséria – imagens de cabeças-de-algodão,
de jamesons, de gordinhos, de palitos carecas e barbudos, de cardinais, de bdc’s,
de cuspes electrónicos, de invasões, de cashballs, de tumultos, de calotes sem
fim são para ela um grande tormento. Sebastiana
desespera. Vive constantes depressões e uma angústia enorme.
Desta
vez, a ida ao seu estádio para ver o "derby”
aumentou o seu indescritível instinto persecutório em relação ao seu ódio de
estimação – sempre que avistava uma águia tinha recorrentes fanicos, o vermelho
punha-lhe os olhos fora das órbitas, os seus tímpanos rebentavam só de ouvir a
sigla SLB. E assim que “A Chulé” já
com o desafio a decorrer, vislumbrou um pacato lampião, discretamente de vermelho vestido sentado nuns degraus
acima na sua arquibancada, não foi de modas - sacou dos pés uma das suas
chancas e vociferando ameaças, exibiu mais uma vez os seus complexos e
frustrações, deixando no ar um rasto fedorento. O adepto rival guardou calmamente
na sacola o seu manto sagrado. Mas, para mal dos pecados de Sebastiana, nem com a eficácia do seu
chulé livrou o seu grémio de mais uma derrota. Desta vez por 4-2. Os “stewards”, à beira de uma intoxicação, mandaram-na
para os balneários mais próximos lavar os pés com uma solução de vinagre e água
e o rapaz vitorioso num assomo de comiseração ofereceu-lhe para a azia severa
quatro pacotes de bicarbonato de sódio. Um por cada golo.
Nessa
noite, Sebastiana Chulé, ao contrário
da lenda sebastiânica, desapareceu no meio de um denso nevoeiro vermelho.
GRÃO VASCO