15.12.14

Cornadura de bode velho



7 e 45 da tarde de ontem.

Sentado na cadeira de balanço, com um cobertor de papa a albardar-lhe o lombo estendendo-se até aos artelhos, o abencerragem dos abencerragens balbuciava uns imperceptíveis monossílabos alternados com uma sequência longa de sons guturais e agoirentos. Com a cabeça tombada e ligeiramente debruçado sobre a lareira, a baba escorria-lhe pelo canto da boca, pendendo em fio sobre a braguilha, humedecendo-lhe os colhões. Tiritava de frio e estremecia de raiva. As suas rêpas desgrenhadas pelo desespero tapavam parcialmente os seus olhos esbugalhados, fixos nas fortes chamas das cavacas que ardiam à sua frente.

Completamente acabrunhado, o seu fácies era de horror. O seu çeportèn ardia lentamente sobre o crepitar das brasas. Fim do jogo com os cónegos e fim também de uma tortura que já durava há quase duas horas, amenizada por um empate à rasca em que como ele, já ninguém acreditava. Todavia, ficava ainda uma réstea de esperança, pois afinal o seu desejo era mesmo que a morcanzoada azul e bronca malhasse forte e feio no Glorioso.

 

8 da noite e essa esperança renascia. Se a lampionagem perdesse contra os morcões, o seu grémio do lagartêdo, mesmo com aquele horrível empate no fôsso reduziria a diferença para sete pontos de desvantagem e assim a sua teoria, martelada durante toda a semana em programas sobre futebol na SIC Notícias, seria um sucesso, após ter sentenciado – qual aberração intelectual - que “o Benfica, este domingo é que estaria sob uma pressão muito maior do que a do seu adversário”. O porto, ganhando, passaria para a frente e depois, mesmo em igualdade de pontos, “adeus viola, que se faz tarde” que mais ninguém o agarraria, muito menos o Benfica nessa equivalência pontual. Uma teoria de um verdadeiro expert anti-Benfica, que se transformava mais num desejo estúpido e senil do que numa tese consistente e equilibrada.

O tempo decorria e nada! Nem o chá-chá-chá conseguia dar um ar da sua graça e dos seus dotes dançantes perante o imperador, guardião da baliza gloriosa, nem o Topo Gigio mexicano conseguia com as suas grandes orelhas, deixar de bater nas "orelhas da bola", nem a coqueluche argelina num golito em fora-de-jogo com a aquiescência do Sousa lordelense para aquecer as entranhas. Nada!

 

No entretanto, por volta das 8 e 40, o último dos abencerragens sente uma severa pontada no olho do cu. A cadeira abanou, tal como a barraca onde vivia e ele quase que tombou para cima da grelha que protegia a lareira. A sodomização vinha a caminho!

- Foda-se esta merda! Tinha logo de ser o gajo que não tem dado uma para a caixa! Aquele coxo! Um toque de anca? Isso não existe no futebol! Foi mas foi com a mão, caralho! – arengava o velho marreta, cuspindo ódio ao constatar que a sua teoria da treta ia cada vez mais caindo por terra.

 

Veio o intervalo e com ele um pouco de meditação transcendental. Afinal ainda faltavam quarenta e cinco minutos, mais os descontos, e com o ladrão do Lordêlo a apitar tudo ainda seria possível.

 

9 e dez, noitinha cerrada e fria.

O mastodonte do Cenozóico sente um arrepio nos colhões. Mas não era a baba, não. Era outra vez o Lima a dar-lhe cabo da cornadura.

- Foda-se! Outra vez aquele perneta! Pronto, acabou-se! – exclamou ele, desligando o seu rádio portátil. O seu monólogo continuou:

- Agora, vou já telefonar ao Joaquim Rita para ele dizer alto e bom som em frente às câmaras da SIC Notícias, no jornal da meia-noite, que “o primeiro golo do Benfica caiu do céu aos trambolhões” e que “o Benfica teve uma vitória tão justa quanto feliz”.

 

Já Joaquim Rita, essa douta eminência futeboleira, estava nos estúdios da estação televisiva ao lado de uma carinha laroca, quando, sentindo o seu telemóvel a vibrar, mirou o seu visor que o avisava de uma nova mensagem que estava mesmo a chegar. Correu-a digitalmente do topo até ao fim. Não vinha assinada. Foi ao bolso de dentro das calças, coçou a micose, puxou da sua agenda manual de telefones, abriu-a e confirmou o correspondente número. Era, nem mais nem menos, de um lagartunço dos quatro costados como ele e seu compagnon de route, o famigerado Ribeiro Cristóvão, actualmente conhecido pelo “microfone mumificado”!

 

Joaquim Rita acabou por bolçar a mensagem carregada de uma acidez inenarrável. Desliguei o televisor, mandei o animal para o sítio que todos nós sabemos e soltei uma valente gargalhada.

 

A AZIA É MESMO FODIDA!

 


GRÃO VASCO

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