Já lá vão uns bons pares de anos…
De férias em Lanzarote, desloquei-me num desses dias, como era hábito de cada vez que lá voltava, a um dos seus mais belos e formidáveis lugares – o Mirador del Río – local, onde o infinito e o intemporal se fundem, numa simbiose natural e indescritível.
César Manrique, génio da arte e da escultura, filho de Lanzarote e figura incontornável da sua história, complementou esse lugar fantástico de incrível beleza, com um espaço de meditação e contemplação como só ele sabia criar, dotando-o de um pequeno bar envidraçado protegido da humidade agreste e dos ventos oceânicos.
Nesse dia, como quase sempre, envergava o meu Manto Sagrado. Com ele percorri os encantos e recantos das terras vulcânicas de Lanzarote, com os seus mares de lava, as suas crateras, as suas vinhas, as suas salinas e tantas, tantas outras cosas maravillosas. Com ele degustei “una saborosa vieja de su mar y un malvasía fresco de sus viñas”, desfrutei do seu sol, do seu mar, dos seus prazeres.
Quando me dirigi ao barman com umas buenas tardes, o homem, já de certa idade, soltou uma exclamação impressionante!
- Traes una camiseta gloriosa! Es fantástico ver aquí el Benfica. Tenías un equipo… oh, la, la, qu’equipo!… Aguas, Cavem… que golazo!... Columna, Eusebio… sí, Eusebio, que fenomeno! Ni Real o el Barça. Dos veces! Yo he visto las finales!
Fiquei arrasado!
Quase de lágrimas nos olhos nem conseguia articular no meu castelhano arranhado uma qualquer palavra. Fiquei ali a olhar para ele e ele a olhar para a camisola, para o emblema.
- Realmente es una camiseta única, esplendorosa! La águila y la rueda… – disse ele em tom mais baixo.
Logo ao lado, estava um idoso, com uma fisionomia tipicamente germânica, que incrivelmente proferiu quatro palavras:
- Benfica, Lissabon, Nurnberg,
Tottenham…
- Hã? Ó minha nossa! O que é isto? – sussurrei eu para mim próprio.
Ergui os meus braços ao céu, aquele céu imenso do Mirador del Río, e com um sorriso e a voz ainda a tremer, pedi:
- Caballero, una cava bien fría y três vasos, por favor!
Fiz-lhes um pequeno gesto para aguardarem um momento.
Quando voltei, daí a instantes, trazia numa das mãos um dos Mantos Sagrados suplente e um cachecol do Glorioso.
O champanhe foi aberto com classe e com um estoiro sêco mas bem audível. Após aquele homem me ter recordado momentos muito felizes da minha vida de Benfiquista e ter servido o fino néctar com um gesto solene que o momento exigia, levantei bem alto o Manto Sagrado e ofereci-lho. Ao alemão, condecorei-o com o cachecol, ao que ele ergueu imediatamente a sua taça…
Uma pequena pausa, um silêncio momentâneo…
- Es tuyo, bebelo! – disse eu para o espanhol.
- Es para mí? – perguntou ele.
- Sí, es, porque perguntas? – disse-lhe eu novamente.
- No puedo, señor, soy empleado, aqui. – respondeu atrapalhado.
- No, es aqui y ahora, ahora en este momento, para tí y para tus compañeros de trabajo!... – disse determinado.
O homem estava tão perplexo como eu.
Levantou o Manto Sagrado e a sua taça de champanhe, exclamando bem alto:
- Viva el Gran Benfica! Salud!
Ouviu-se um bruááááá na sala. Estavam lá mais Benfiquistas. Não sabia, nem imaginava sequer. Celebrámos. Todos.
Foi algo de extraordinário. Ficámos amigos e sempre que pude fui visitá-lo. Era do Sevilha e do…Benfica!
GRÃO VASCO