Dois amigos de infância, duas estórias de vida diferentes.
Um, Zé Maria Pincel, talentoso autodidacta, era até há bem pouco tempo carpinteiro-chefe dos maravilhosos cenários da última produção cinematográfica protagonizada pela belíssima italiana.
O outro, Nelo Serôdio, vivendo sempre do ar, apresentava-se como fabricante de miniventoínhas de plástico para automóveis e simultâneamente despachante oficial das mesmas para os PALOP. Nelo roía-se de inveja do estatuto do seu amigo de longa data, companheiro das farras e das guitarras. Sempre sonhara estar “lado a lado” com aquela que preencheu o imaginário erótico da sua adolescência e afinal eram outros os contemplados com essa sorte grande.
Por isso, um dia, resolveu cometer uma “loucura”. Encheu-se de brios e zás, todo aperaltado, disfarçado de realizador de cinema, com o bolso atulhado das suas derradeiras economias, levanta vôo da Portela em classe turística e logo marca almoço no restaurante mais caro de Londres, frequentado à época pela superestrela.
Sim, é verdade! Seria o momento da sua vida. Nem que fosse numa pequena mesa do canto que distasse cinco metros daquela onde a super sensual actriz se entretinha diàriamente a rever o capítulo seguinte do guião do filme.
Nem de propósito, Pincel, que das vezes em que estavam juntos, espicaçava Nelo, acirrando-o, dizendo-lhe que muitas das suas refeições eram assim, “lado a lado” com a diva, encontrou o seu amigo nesse dia à entrada do luxuoso restaurante e entre efusivas saudações perguntou-lhe o que é que ele fazia por aquelas bandas.
Serôdio, ainda meio atordoado da viagem e do trânsito pela esquerda, disse-lhe com vaidade:
- Hoje, vou estar “lado a lado” com a
minha deusa!
- Ai, é? – exclamou o carpinteiro.
- Sim, já mandei reservar uma mesa e irei estar a cinco metros dela, “lado a lado”… - exultou o Nelo Serôdio com um ar de felicidade do tamanho do mundo.
Zé Maria Pincel sorriu, e mais uma vez com aquele ar de gozo insinuou:
- Ah, muito bem, muito bem… Tal e
qual como o Mestre Orelhas e o Capo dos Capos Giorgio naquele restaurante na
Mealhada…
-Tal e qual! – respondeu logo o outro.
- Até pensava que tivesses vindo aqui a Londres e tivesses trazido contigo o Pistoleiro do Lagartêdo, esse populista mais conhecido agora pelo Bruno Guillotin de cabeças de duques e godinhos… - atirou o Pincel em ar de desafio.
- Desse, não… não quero saber! Pelo que me acabou de dizer o chef do restaurante, está a encher chouriços num dos anexos da cozinha… - desabafou entediadamente o Nelo.
Nesse preciso momento, Monica Bellucci assomou à porta principal. Estando de saída, esboçou um sorriso lânguido e distante na direcção dos dois amigos, cumprimentando Zé Maria Pincel. Serôdio, apardalado pela surpreendente aparição, limpava a baba que lhe escorria da boca, empinando o nariz para absorver àvidamente aquela fragrância tão aromática e tão doce que dimanava da sua encantadora deusa. Ainda não refeito do choque mas tendo conseguido um “lado a lado” tão fugaz, acabou por desmarcar o almoço e ir “marfar” com o seu amigo de infância uma sopa de feijão vermelho e um hamburger com batatas fritas ao Mac Donald’s mais próximo.
E assim, Serôdio ficou com o seu “lado a lado”, tal como os pasquins desportivos portugueses em relação a Mestre Orelhas e Giorgio.
Com que então “lado a lado”, hein?
GRÃO VASCO