26.9.19

O canto da cigarra



O nosso imaginário de infância está recheado de belas estórias. E as fábulas, esses contos em que os protagonistas eram animais que nós todos conhecíamos, acrescentavam algo de muito especial à nossa criatividade e alertavam-nos para o porvir e suas consequências de uma forma cativante e expressiva.

Quem não se lembra, na sua escola primária de “A cigarra e a formiga”, de “A lebre e a tartaruga” ou de “A cegonha e a raposa”, fábulas de Jean de La Fontaine, célebre poeta e fabulista francês do século XVII?

Curiosamente, de todas essas estórias “do tempo em que os animais falavam”, aquela que melhor recordo pelo seu significado, é a de “A cigarra e a formiga”.

Perante a intensa canícula de um Verão incomum, a formiga temendo uma invernia rigorosa, procurava afanosamente amealhar mantimentos suficientes que a época de veraneio lhe proporcionava. Era vê-la diariamente, de sol a sol, a arrastar enormes grãos-de-milho e folhas protectoras, num esforço titânico que muitas das vezes a deixava completamente extenuada.
Por sua vez, a cigarra, perante um clima tão bom e tanta abundância de alimento, esbanjava o seu tempo cantando de árvore em árvore, recostando-se na sua cadeira de balancé, optando pela vida boémia que tanto adorava.
O final da estória, todos o sabemos. A formiga à lareira, bem aconchegada no conforto do lar e com a sua despensa bem recheada, enquanto lá fora, com a neve a cair intensamente, a cigarra tiritava de frio e de fome, encostada a um taipal, aguardando assustada por uma broncopneumonia que a levasse desta para melhor. Desesperada, foi bater à porta da casa da formiga, implorando protecção, pão e agasalho. A formiga, num acto de elevada solidariedade e grande compaixão, abriu-lhe a porta de sua casa e disse-lhe:
- “Entra, minha cara amiga. Estás agora a ver por que é que eu não aderi aos teus “grandiosos espectáculos” de cantoria e boémia?
Moral da estória:
- “Todas as acções têm sempre as suas consequências”.

Na realidade, já se passaram décadas e décadas, desde que li este conto infantil. No entanto, por mais esquisito que pareça, ainda hoje, pelas manhãs de 2ª feira, oiço esse intenso canto da cigarra, neste caso com uma triste nuance – a cigarra não se contém de inveja e apouca e escarnece o soberbo e denodado trabalho da formiga.

Se quiserem rever esta versão da fábula “A cigarra e a formiga” e ouvir o som estridente desse insecto cantante e voador, é só passarem pelo blogue “novogeraçãobenfica” todas as 2ªs feiras e constatarem como Rui Gomes da Silva desdenha do trabalho árduo da formiga.

Mas, meus Caros Companheiros, por mais que ele cante, o fim da história será sempre diferente – RGS, a cigarra despeitada e vaidosa, nunca irá abocanhar nem delapidar uma enorme riqueza e uma obra que demorou tanto tempo a construir, com tanto sacrifício e em que a formiga demonstrando talento, capacidade de trabalho, visão e arte transformou uma casa em frangalhos num potentado próspero e único!
Portanto, nesta versão, a cigarra vai mesmo ficar sentada na soleira da porta da formiga, à espera de melhores dias, pois desta vez a formiga que tem sido tantas vezes magnânima, não irá mais estender-lhe a mão.
Não sei se quando chegar o próximo Verão a cigarra ainda dure para cantar outra vez. 

GRÃO VASCO



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