Uma noite na Ópera
O rei do peido da Palermo portuguesa e o gorducho do fôsso do lagartêdo foram à Ópera. Quando vi a reportagem
na TV terminar com o “Cante Alentejano” lá me veio à memória a célebre epopeia
de dois pacatos compadres analfabetos do Alentejo profundo, já entradotes, que
na década de 60 do século passado viajaram pela primeira vez até à capital em
busca de suas delícias e de seus encantos.
Uma história curiosa do
anedotário nacional, mas que caricatura bem a boçalidade de quem nunca se
libertou dos complexos de provincianismo e de inferioridade – seja do norte, do
centro ou do sul, das Beiras ou do Alentejo, do Porto ou mesmo de Lisboa - tal
qual como duas das ridículas personagens futeboleiras
que pisaram o palco do Teatro S. Carlos na última sexta-feira.
Tendo como referência um
conterrâneo, amigo comum de infância, os dois compadres chegaram a Lisboa no
início de uma tarde de calor e logo se atulharam desbragadamente de pézinhos de
coentrada e torresmos, bem regados com um carrascão a martelo na taberna
daquele, há muito radicado na capital.
Os sonhos de adorar uma
“deusa” numa alcova a cheirar a lençóis perfumados com OMO, de outras atracções
fatais ou de dar uma banana a um chimpanzé ou uma moeda ao elefante para ele
tocar a sineta, no Jardim Zoológico ou ainda atravessar o Tejo de cacilheiro
para a outra banda e subir ao Cristo-Rei, foram assuntos entusiasmantes falados
entre os três. O desejo dos dois forasteiros de saborear os “pitéus alfacinhas”
era tanto, que para “acalmar o bicho”, o cicerone da taberna sugeriu-lhes uma
relaxante noite na Ópera. Começariam por um início discreto, para depois, então
sim, nos dias seguintes da sua estadia, esgalharem com toda a força.
Já com os bilhetes
reservados, faltava a janta da ordem. Aventuraram-se pela primeira casa de
pasto que encontraram, acabando por se esbodegar gastronomicamente pelo prato
da casa – uma valente feijoada, apuradíssima, que tinha sobrado do almoço. Não contentes
com o feijão, viram o cliente da mesa ao lado apontar para o seu prato e pedir
“bis”. Alarves, também eles queriam experimentar daquilo que o seu vizinho
tinha acabado de comer e que iria repetir – um bife com ovo a cavalo a nadar em
molhanga. Assim, logo que o empregado de mesa se aproximou, apontaram para os
seus pratos solicitando o “bis” da ordem. Quando o viram com novo tacho de
feijoada entre mãos e a colocá-lo sobre a sua mesa, os compadres concluíram que algo estava errado, mas mesmo assim, e porque feijoada
é feijoada, lá marchou o tacho inteiro até quase rebentarem.
A Ópera esperava-os.
Para desgastar, resolveram ir a pé. Com o passeio a meio, já a sonora metralha
gasosa se começava a ouvir em altos decibéis, fazendo eco por entre os prédios
de alguns quarteirões, tal era a efervescência digestiva naqueles dois
respeitáveis bandulhos.
Com larga antecedência
chegaram ao S. Carlos, levantaram os respectivos bilhetes e devidamente
orientados acabaram por se espapaçar em duas confortáveis poltronas no meio da
plateia. A aguardarem pelo início do espectáculo, olhando vagamente para as luzes
do tecto e de soslaio para um grupo de balzaquianas sentadas a seu lado, já sob
o lusco-fusco da sala e com o palco iluminado, um deles sentiu uma forte dor de
barriga. A contenção obrigatória dos gases associada ao engarrafamento do trânsito
no canal intestinal obrigava-o a uma urgente necessidade de evacuar.
Atrapalhado e perante situação tão insólita, pediu ao seu compadre de aventura,
atenção especial às cenas passadas na sua ausência forçada. Era importante não
perder o fio à meada.
Após um “com licença, com licença” muito
apressado e já agarrado aos elásticos dos seus suspensórios, dirigiu-se ao
porteiro mais próximo, perguntando-lhe onde era a “cagadêra”. O porteiro, com alguma malandrice à mistura,
descreveu-lhe o caminho com cinco viragens à esquerda, quatro à direita, após a
passagem por três corredores, no último dos quais e na terceira porta a contar
do fim lá estaria o espaço desejado.
O alentejano correu,
correu, correu e não aguentando mais, entrou pela primeira porta que viu e que
dava acesso a um jardim. Nesse solene momento encontrava-se no sítio ideal -
entre palmeiras com arbustos floridos pelo meio.
- É já aqui! – pensou
o homem. E continuou:
- Lá no Alentejo os chaparros não têm a trunfa que estas árvores têm na
cruta mas para o que é servem à mesma!
E com toda a
naturalidade, o homem desenvencilhou-se do seu capote, baixou os suspensórios, arreou
as calças e agachando-se atrás de um arbusto fez força, sentindo-se aliviado.
Curioso pela ópera, seguiu rápido, novamente para o seu lugar. Após mais uns
incómodos “com licença, com licença”,
com as suas pernas a roçarem tentadoramente nos joelhos das balzaquianas, lá acabou
por se sentar e segredando ao ouvido do seu compadre perguntou-lhe:
- Então compadre, como é que isto vai?
- Compadre, confesso-lhe que estou confuso, pois não
percebi nada desta primeira cena! Até já estão a mudar de cenário… – respondeu o outro meio atarantado.
- Então homem, quer dizer que já perdi o primeiro acto?
- Nã compadre, nã perdeu nada, pois o que aconteceu é que
em vez de entrar em cena um artista a cantar, entrou um sujêto a assobiar a
“Grândola, vila morena”, agarrado aos seus suspensórios e que, sem quê nem para
quê, ferrou uns valentes peidos e foi arrear o calhau atrás de uns arbustos
entre quatro palmeiras! Fez cá uma “barulhêra” com um burburinho na plateia,
que nem lhe digo, compadre!
Neste momento os
fusíveis do S. Carlos rebentaram. Para eles o espectáculo tinha acabado ali.
Em boa verdade, o que
faltou esta sexta-feira a dois dos marmanjos eleitos para receberem uns prémios
na gala promovida por uma tal revista “Mais Alentejo”, foi terem cagado no
palco, mesmo atrás da tribuna (e não do arbusto) de onde proferiram os seus
lastimáveis e irónicos discursos de ocasião. Pelo menos, o “rei do peido” deverá ter deixado escapar algumas bufas descendo-as
à corda como já é habitual nestes acontecimentos públicos. Só faltou termos
visto “a neta” a acender um cigarro para disfarçar o cheiro - o Salvador, em Braga,
que o diga! Já o outro, o “gorducho das
alarvices”, saiu mais cedo - não com quatro kits do Eusébio debaixo do braço, mas sim com um cheque de dois mil
euros a depositar na conta de um número “cardinal” numa qualquer dependência
bancária no Funchal, ilha da Madeira - decerto para visitar o palmeiral mais
próximo.
Bandalhos!
GRÃO VASCO