No
início desta semana, algures na EN 1, entre a Palermo portuguesa e Ourém, uma densa nuvem de pó pairava no ar,
avançando para sul e ameaçando tornar-se num pequeno tornado. Pouco se
vislumbrava, entretanto. Seriam obras de manutenção na via? Teria ocorrido
algum acidente mais grave? Desflorestação? Aves migratórias? Praga de gafanhotos?
A
notícia corria célere. Os peregrinos, oriundos de vários locais a norte e em
trânsito para o maior centro de religiosidade católica do país, onde irão
decorrer as celebrações do 13 de Maio, comentavam em surdina os rumores de que
um bando de marginais, delinquentes, criminosos, desdentados, sifilíticos,
sidosos, blenorrágicos, herpéticos, heroinómanos, cocainómanos, violadores,
díscolos e proxenetas tinha recentemente abalado da Ribeira da Palermo portuguesa com destino a Fátima, em suposta
“peregrinação”. Aquilo que em princípio mais parecia um boato ridículo ganhava cada
vez mais maior credibilidade e consistência e a nuvem poeirenta era nem mais
nem menos que o resultado de um movimento rotativo dos cachecóis azulados dos
bandoleiros, estampados com um horroroso dragão comido pela traça mafiosa do
Freixo que todos agitavam freneticamente numa descarga de ódio e pó sem precedentes,
depois de terem ido buscá-los aos baús dos seus sótãos e após um desuso e um
jejum de quatro anos.
Pouco
depois, alguns devotos em passo acelerado confirmavam o boato – fugiam de uma
turba ululante, pestilenta, camuflada em coletes reflectores
amarelo-fluorescentes e bonés azuis e brancos feitos de tecido das barracas de
praia cujos cânticos profanos indiciavam as suas intenções. Qual religião qual
quê! Gritavam “slb, filhos-da-puta slb”,
“nós só queremos ver lisboa a arder”,
“ai quem me dera que o avião da
chapecoense fosse do benfica”, assemelhando-se a perigosos dementes em fuga
do hospital Conde de Ferreira. A fé no ódio e na hipocrisia medrava a cada
passo, a cada metro que percorriam. A demência era tal, que iam agradecer à
Santa pela roubalheira de o seu grémio corrupto ter vencido um campeonato de
futebol repleto de trapaças, invasões, chantagens e ameaças, pelos sucessos dos
assaltos às estações de serviço das auto-estradas, às lojas em Andorra, ao
vandalismo em Málaga, às ameaças aos árbitros no centro de treinos da Maia e seus familiares em diversos locais do norte do país, pelo enriquecimento ilícito
através da candonga dos bilhetes de futebol, pela impunidade perante juízes
cúmplices, pelas violações consumadas, pelos êxitos no tráfico de droga e pelas
sovas em qualquer lampião que se tivesse atravessado nos seus caminhos.
Transportavam aos seus ombros mochilas de vigarice, de canalhice. A escumalha,
despida de valores e princípios, deslocava-se como uma verdadeira besta
demoníaca disfarçada com vestes angelicais.
A
Santa corou. Os pastorinhos deram mil voltas nos seus mausoléus, o bispo da
diocese prostrou-se de joelhos estarrecido com tamanho sacrilégio, o reitor do
santuário apelou às autoridades suplicando segurança não fossem eles roubar a
imagem da Virgem e a caixa das esmolas na Capelinha das Aparições para depois se pendurarem,
saciados, nos galhos da oliveira centenária adjacente. Por fim, os peregrinos
pararam por momentos as suas orações e implorando protecção divina, fecharam as suas
bolsas antes que fosse tarde.
Os
símios da Ribeira da Palermo
portuguesa avançavam para o santuário…
A
sua “fé”, mais uma vez, era ódio e hipocrisia.
GRÃO VASCO