Ignaro de Jesus e a ‘Peaners & Co.’
Quando Ignaro, filho do veterano Virgolino e alfacinha de gema, transformou
umas simples alcagoitas importadas do Bangui, capital da República
Centro-Africana e de diversas plantações do Burkina Faso, em deliciosos peaners e numa nova e saborosa manteiga
de amendoim de qualidade muitíssimo superior àquela que tinha sido utilizada
por Marlon Brando na escaldante e penetrante cena de rectaguarda com Maria
Schneider no célebre filme “O Último Tango em Paris”, ninguém ousou afirmar que
a “Peaners & Co.”, multinacional portuguesa de transformação de alcagoitas
e com a mesma designação do seu principal produto, fundada e gerida por este
singelo cidadão da Amadora, iria ser um rotundo fracasso nacional e
internacional. Antes pelo contrário, as expectativas não saíram goradas e tudo
se tornou num especialíssimo case study,
que curiosamente tem sido alvo de uma investigação profunda pelos maiores
especialistas norte-americanos em marketing
e vendas.
Ignaro, um self made man que se
fez à vida e lutou por ela, olha hoje e após um quarto de século de árduo e
perseverante trabalho, para a sua Cia., como a sua cereja, ou melhor, como a
sua alcagoita no topo do bolo. “Uma
verdadeira obra de milhões com nota artística”, como ele costuma dizer com
alguma insistência para os gaviões dos seus bastidores, ou quando em dia de
folga, bate na mesa a bisca de trunfo em jogo de sueca entre os seus amigos
de bairro.
Só este ano, em volume bruto, foram cerca de quatro milhões de euros, mais
as alcavalas em relação aos prémios de produção.
Com uma força e um convencimento “convencido” que demovem montanhas, contra
ventos e marés, com disputas verbais e gestuais acaloradas, soube granjear a
simpatia de alguns, sendo para outros um figadal ódio de estimação. Mas ainda
assim e através do seu “empirismo
científico” (não, esta doutrina não é nenhum achado filosófico, a partir do
momento em que ouvi este fim-de-semana num congresso partidário, um reitor de uma
universidade falar em “democracia
democrática”, mas lá que assenta que nem uma luva a Ignaro, lá isso
assenta!…) conseguiu obter o reconhecimento dos seus méritos pelo “Farronca da
Choupana”, o “Azelha de Sacavém” e mais uns quantos bonifrates, que têm vindo a engalfinhar-se para conquistarem a sua cota no mercado interno. Certa
comunicação social é que não lhe perdoa enquanto ele ocupar o lugar e o
estatuto que ostenta actualmente com muito orgulho, vaidade e até um pouco de
arrogância ou qual ave imponente quando abre aquelas asas gloriosas. Mas, como
ele diz, os números não mentem e esses não podem ser contestados.
A própria faculdade de motricidade humana da capital, endereçou-lhe um
convite formal para uma sessão extraordinária em que o “Catedrático das
Alcagoitas”, como logo passou a ser conhecido no meio académico, perante uma atenta
e numerosa audiência, acabou por dar uma autêntica lição de mestre, subordinada
ao tema, “ ‘Peaners’ ou as alcagoitas na
minha evolução científico-financeira, cultural e artística”. Atento, todo o
corpo docente da entidade aplaudiu de pé a soberba intervenção de Ignaro, com
destaque especial para um seu grande amigo, que é “tu cá, tu lá, pontapé na bilha” com ele, o seu consultor e compagnon de route de muitas lutas e
disputas, o destacado epistemologista, professor Manolo Sérgio Rolha, já
reformado, mas a pedir nova reforma.
A verdade é que a fama de Ignaro ultrapassou fronteiras e mesmo com um défice
linguístico evidente, quer na língua-mãe, quer no inglês técnico e na
sistematização e verbalização das suas ideias, particularmente nas múltiplas
conferências de imprensa semanais, tem vindo a afirmar-se nos diversos fóruns
europeus, onde não deixou os seus créditos por mãos alheias, participando,
sugerindo e propondo, interagindo com especialistas da sua igualha e encontrando
no prof. Barnabé Pillas-Tortas -
outro sucessful man e seu adversário intramuros,
radicado há poucos anos na cidade russa de S. Petersburgo - um poderoso e
fantástico aliado para fazer vingar as suas revolucionárias teses, que por mais
paradoxal que pareça, no mano-a-mano, têm tido muito mais eficácia e melhores
resultados práticos com o professor-imigrante do que com o próprio Ignaro,
conforme a própria estatística o indica. Tem também lançado e descoberto alguns
talentos, mas tem tido algumas dificuldades, em especial com o seu discípulo Olanjón, que até à data tem andado
literalmente à cata das alcagoitas pelos relvados fora.
Ignaro é um dos casos mais incríveis e desconcertantes no seu competitivo
meio. Desde muito jovem que não recorre ao papel e ao lápis para fazer as suas
contas de mercearia - foi sempre mais pontapé na “chincha” e… na gramática… - e
hoje, teimosamente, nunca usa máquina calculadora nas exigentes operações no
seu dia-a-dia de trabalho. Assim se tem mantido em primeiro lugar no ranking interno, muito à custa dos “espíritos
santos de orelha” dos seus assessores e da generosidade dos seus investidores.
A nível europeu e depois de perder os seus concursos deste ano, mandou as
contas às malvas, desconhecendo patèticamente o seu último lugar num restrito
grupo de quatro competidores. Mesmo assim, tudo isso não lhe tirou o sono e só foram
mais uns peaners “p'ro galheiro”, sem
importância nenhuma, visto que este ano o que interessa, na sua óptica, é o
mercado interno e aqui ainda há muita cota de mercado para ganhar…
“A ver vamos”, como diz o cego…
À ATENÇÃO DE JORGE DE JESUS.
GRÃO VASCO